Celebrar a história da Páscoa

Giselle Melocro Borelli
10 min readApr 4, 2024

Semana Santa 2024

Introdução

É Quinta-feira da Paixão. O texto de leitura do Evangelho de João (13.1–17) atém-se ao lava-pés, um dos tantos fatos ocorridos na noite em que Jesus foi traído. Dentro do ciclo de celebrações, é o terceiro dia que antecede a Páscoa judaica. Na preparação da festa, Jesus vale-se da força de um simples ato: lavar os pés de seus discípulos.

Para nossa reflexão em um primeiro momento quero ver com vocês sobre a história da Páscoa, mais especificamente a preparação da primeira Páscoa, quando o povo israelita é instruído para a ceia que antecede a fuga do Egito, tornando-se um rito de passagem para uma nova vida.

Êxodo 12.1–14 NAA: 1O Senhor disse a Moisés e a Arão na terra do Egito: 2 — Este mês será para vocês o principal dos meses; será o primeiro mês do ano. 3Falem a toda a congregação de Israel, dizendo: No dia dez deste mês, cada um tomará para si um cordeiro, segundo a casa dos pais, um cordeiro para cada família. 4Mas, se a família for pequena para um cordeiro, então o chefe da família convidará o seu vizinho mais próximo, conforme o número de pessoas. Conforme o que cada um puder comer, por aí vocês calcularão quantos são necessários para o cordeiro. 5O cordeiro será sem defeito, macho de um ano, podendo também ser um cabrito. 6Vocês guardarão o cordeiro até o décimo quarto dia deste mês, e todo o ajuntamento da congregação de Israel o matará no crepúsculo da tarde. 7Pegarão um pouco do sangue e o passarão nas duas ombreiras e na viga superior da porta, nas casas em que o comerem. 8 — Naquela noite, comerão a carne assada no fogo, com pães sem fermento e ervas amargas. 9Não comam do animal nada cru, nem cozido em água, porém assado ao fogo: a cabeça, as pernas e as vísceras. 10Não deixem nada do cordeiro até pela manhã; o que, porém, ficar até pela manhã, queimem. 11É assim que vocês devem comê-lo: já prontos para viajar, com as sandálias nos pés e o cajado na mão. Comam depressa. É a Páscoa do Senhor. 12Porque, naquela noite, passarei pela terra do Egito e matarei na terra do Egito todos os primogênitos, tanto das pessoas como dos animais, e executarei juízo sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor. 13 — O sangue será um sinal para indicar as casas em que vocês se encontram. Quando eu vir o sangue, passarei por vocês, e não haverá entre vocês praga destruidora, quando eu ferir a terra do Egito. 14Este dia lhes será por memorial, e vocês o celebrarão como festa ao Senhor; de geração em geração vocês celebrarão este dia por estatuto perpétuo.

A Palavra nos conta a história

No memorial da Páscoa judaica, Deus fala com Moisés e solicita que o mesmo diga ao rei do Egito que libere o povo para ir ao deserto oferecer sacrifícios ao Senhor (Êx 3.18). Arão e Moisés fazem a solicitação (Êx 5.3). Em resposta, o rei aumenta a carga de serviço aos escravos judeus. Coisas terríveis estão por acontecer. Deus chama novamente Moisés e promete libertar o povo da escravidão (Êx 6). Pragas acontecem (Êx 7–10). Chega a hora derradeira: a última praga. E aqui gostaria de fazer pequenos comentários sobre cada versículo.

V. 1 — “O Senhor disse” A expressão denota autoridade constituída, que determina uma ação.

V. 2 — Dá-se o início de uma contagem. A Páscoa foi instituída para ser comemorada na lua cheia do primeiro mês do ano. A noite de lua cheia é estratégica. Esse mês é chamado no antigo calendário de Abibe (trigo recém-amadurecido) e no calendário pós-exílico de Nisan, primeiro mês da primavera. Páscoa torna-se uma festa da primavera e uma festa de ano-novo.

V. 3 — Seguem as instruções para a refeição destinada a “todo o povo israelita”. Esta é a primeira ocorrência no Pentateuco do que viria a ser um termo técnico (edah) para descrever Israel em sentido religioso. No décimo dia do mês, deveria ser escolhido o animal a ser ofertado, que seria sacrificado no décimo quarto dia. Poderia ser um carneirinho, que vem a ser uma ovelha macho, ou um cabrito, cujo animal adulto é chamado de bode e a fêmea, de cabra. O termo hebraico seh é neutro e deveria ser traduzido por “cabeça de gado (miúdo)”, aplicável igualmente às ovelhas e às cabras de qualquer idade.

V. 4 — Nada de desperdício. Havendo mais carne do que o necessário, seria dividido com a família vizinha. A carne deveria ser totalmente consumida. Vemos uma comemoração familiar restrita a pequenos círculos. Aqui não há templo, nem tenda da congregação, nem altar, nem sacerdote.

V. 5 — Seria servido carne de primeira, maturada, animal de um ano de idade, sem apresentar deficiência física.

V. 6 — Todos comeriam no mesmo dia entre o pôr do sol e o anoitecer.

V. 7 — A marca de sangue no batente da porta sinalizaria que nessa casa foi sacrificado e consumido um animal, rito religioso que protegeria aquela família da décima praga. Como acontecia no período patriarcal, o chefe da família fazia as vezes de sacerdote.

V. 8 — O assado seria preparado na brasa, acompanhado de pão sem fermento e ervas amargas. A carne era assada sobre o fogo aberto, feito num buraco. O simples fato de o animal ser comido mostra que o sacrifício não era tido como oferta pelo pecado. O pão asmo simbolizava a pressa com que deveriam sair do Egito. As ervas demonstravam a vida amarga que tiveram (Êx 1.13–14). O que significavam esses três alimentos? Zerôa, um pedaço de carne assada, representa o cordeiro como sacrifício especial de Pessach na véspera do êxodo do Egito. Lembra os cordeiros que seriam mortos. O sangue do cordeiro protegeu o povo de Israel antes de Deus libertá-los. Maror, almeirão, escarola, alface-romana, ervas amargas, representa o sofrimento da escravidão, a tristeza do trabalho forçado, as crianças que eram sacrificadas, quando o trabalho estabelecido pelo Faraó não era alcançado. Matzá, pães sem fermento, representa a pressa. Não havia tempo para esperar que levedasse a massa. Quando lhes foi permitido sair, sabiam que tinham pouco tempo. Deixaram de colocar fermento na massa para não precisar esperar crescer. Simplesmente pegaram o que podiam. O pão não poderia deteriorar no caminho.

V. 9 — A pele do animal era tirada. As partes internas eram extraídas, limpas e recolocadas no lugar. Então o animal era assado inteiro, com a cabeça, as pernas e os miúdos. Precisava estar bem assado, nada cru e sem que lhe quebrasse nenhum osso (Êx 12.46; Nm 9.12).

V. 10 — Não podia haver nenhuma sobra. Havendo excedente de carne, devia ser queimada antes do amanhecer.

V. 11 — Roupa posta, bastão na mão, refeição rápida. Vestidos e alimentados para desencadear a fuga. Esta é a Páscoa de Deus.

V. 12 — A décima praga está por acontecer: a morte do primogênito, tanto das pessoas como dos animais. Terrível castigo.

V. 13 — Selar com sangue o marco da porta é fazer parte de um rito que identifica um ato de fé, que os livrará da morte. “Passarei”: o sangue do cordeiro sacrificado deveria ser aspergido nas ombreiras de suas casas. Quando o anjo passasse, passaria por por cima daquelas casas que tivessem o sangue aspergido sobre elas. O nome “páscoa” significa passar por cima, passar por alto. … eu verei o sangue e então passarei por vocês sem parar

V. 14 — Estabelecida está a Páscoa, que jamais deverá ser esquecida, para lembrar o que o Senhor fez a seu povo.

Meditação

Gostaria de meditar sobre uma situação intolerável. O povo de Deus estava sendo subjugado. Deus intervém, chamando líderes para assumir a nobre e difícil tarefa de libertar o povo.

A Páscoa pressupões o fim de um longo tempo de escravidão e o preço dessa libertação é altíssimo.

Moisés e Arão (v. 1–4), tendo ouvido o Senhor Deus, orientam o povo para preparar uma refeição de caráter familiar. Foram definidos os dias, a forma como essa celebração se daria e o cardápio. A carne preparada era de primeira qualidade e não poderia ser desperdiçada. Dependendo do tamanho do animal, as famílias deveriam organizar-se para juntas usufruírem sem desperdício. O forte caráter familiar relatado em Êxodo 12 faz lembrar a forma como hoje é celebrada a ceia de Natal.

Estavam vestidos e alimentados. A morte passaria ao largo. O sangue do cordeiro protegia-os. Essa data jamais deverá ser esquecida. A celebração faz com que haja o constante resgate da história.

Jesus respeita e valoriza a tradição que celebra a fuga do Egito. Utiliza essa história para estabelecer uma nova aliança. Jesus reuniu aqueles que pertenciam ao seu núcleo mais íntimo e apresenta-lhes um rito que faz lembrar o que ocorreu desde a noite em que foi traído até o dia da sua ressurreição. Não por acaso, tudo culmina na Páscoa. Assim jamais será esquecido o que ocorreu quando da sua morte.

Em Êxodo 12, encontramos as raízes da Santa Ceia. O texto mais antigo da tradição cristã que conhecemos é o de Marcos 14.22–24. Onde fala do “sangue que garante a aliança feita por Deus com o seu povo”. Assim como na antiga aliança Deus conduziu o povo de Israel para fora da escravidão egípcia, assim Ele liberta o seu povo, por meio de Cristo, para uma nova aliança.

Ao olhar o texto de Êxodo a partir da nova aliança, o apóstolo Paulo escreve em 1º Coríntios 5.7 e 8: ‘Joguem fora o velho fermento do pecado para ficar completamente puros. Aí vocês serão como massa nova e sem fermento, como vocês, de fato, já são. Porque a nossa Festa da Páscoa está pronta, agora que Cristo, o nosso Cordeiro da Páscoa, já foi oferecido em sacrifício. Então vamos comemorar a nossa Páscoa, não com o pão que leva fermento, o fermento velho do pecado e da imoralidade, mas com o pão sem fermento, o pão da pureza e da verdade’.

Você consegue perceber a relação entre os dois textos:

No Antigo Testamento, quem morre é um animal, cujo sangue afasta a morte e cuja carne alimenta o povo de Deus para a fuga. No Novo Testamento, Cristo ocupa o lugar do cordeiro, é sacrificado, e o pão asmo torna-se alimento que lembra o seu corpo. No Antigo Testamento, a morte acontece entre os opressores. No Novo Testamento, o próprio gerador da vida é que morre para mostrar a força inigualável da ressurreição.

Conclusão

É Quinta-feira Santa. O texto de Êxodo marca o momento final de um tempo extremamente difícil. A festa guardará a lembrança do ocorrido. O Novo Testamento aponta, na mesma data, para uma revelação extraordinária, quando algo divino se revela. Toda a carga simbólica registrada no Antigo Testamento é acolhida e repassada para um novo momento histórico.

A celebração da Ceia é a nossa Pessach. Não só uma vez por ano, mas regularmente somos convidados a lembrar o que ocorreu na Páscoa de Cristo. O caráter festivo quer ser sublinhado. Preparamos a nossa roupa para seguir adiante. Alimentamo-nos de Jesus para nos fortalecer a seguir peregrinando na vida com pureza e verdade. A graça do perdão, que provém do sacrifício de Cristo, faz-nos romper com o velho e olhar de forma positiva para o futuro.

Esta noite é oportuna para fazer da Quinta-feira Santa uma celebração que nos faz enxergar a graça de Deus que vence os poderes da morte. Dessa celebração todos deveriam fazer parte.

“A Páscoa traz a boa notícia de que, embora as coisas pareçam piorar no mundo, o Maligno já foi superado.” Henri Nouwen

Para dar início ao ofício de Páscoa, gostaria de ler contigo João 13.1–20: 1Antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. 2Durante a ceia, tendo já o diabo posto no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, que traísse Jesus, 3sabendo este que o Pai tinha confiado tudo às suas mãos, e que ele tinha vindo de Deus e voltava para Deus, 4levantou-se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, pegando uma toalha, cingiu-se com ela. 5Em seguida Jesus pôs água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido. 6Quando se aproximou de Simão Pedro, este lhe perguntou: — Vai lavar os meus pés, Senhor? 7Jesus respondeu: — O que eu faço você não compreende agora, mas vai entender depois. 8Então Pedro disse: — O senhor nunca lavará os meus pés! Ao que Jesus respondeu: — Se eu não lavar, você não terá parte comigo. 9Então Pedro lhe pediu: — Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça. 10Jesus respondeu: — Quem já se banhou não precisa lavar nada, a não ser os pés, pois, quanto ao mais, está todo limpo. E vocês estão limpos, mas não todos. 11Pois ele sabia quem era o traidor. Foi por isso que disse: “Nem todos estão limpos.” 12Depois de lhes ter lavado os pés, Jesus pôs de novo as suas vestimentas e, voltando à mesa, perguntou-lhes: — Vocês compreendem o que eu lhes fiz? 13Vocês me chamam de Mestre e de Senhor e fazem bem, porque eu o sou. 14Ora, se eu, sendo Senhor e Mestre, lavei os pés de vocês, também vocês devem lavar os pés uns dos outros. 15Porque eu lhes dei o exemplo, para que, como eu fiz, vocês façam também. 16Em verdade, em verdade lhes digo que o servo não é maior do que seu senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou. 17Se vocês sabem estas coisas, bem-aventurados serão se as praticarem. 18Não falo a respeito de todos vocês, pois eu conheço aqueles que escolhi. Mas é para que se cumpra a Escritura: “Aquele que come do meu pão levantou contra mim o seu calcanhar.” 19Desde já lhes digo isso, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vocês creiam que Eu Sou. 20Em verdade, em verdade lhes digo: quem recebe aquele que eu enviar recebe a mim; e quem recebe a mim recebe aquele que me enviou.

VOCÊ CRÊ? ENTÃO, FAÇAMOS JUNTOS O CREDO APOSTÓLICO:

Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra. Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém.

Disponível em: https://youtu.be/R115iKbAhdk?si=UjpiUj2PWOH7cmBL

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Giselle Melocro Borelli

Cristã reformada aguardando esperançosamente a completude do Reino. Palmeirense 💚 Esposa, mãe e gestora de pessoas. Estou pastora na IPI em São Carlos💚