Felizes para sempre?

Giselle Melocro Borelli
11 min readMay 28, 2024

Uma breve reflexão sobre casamento, votos e família

Imagem da tarde de domingo em Araraquara, enviada por Odila e Jesus Scalcone — Foto: G1

Gênesis 9.12–16: 12Disse Deus: Este é o sinal da minha aliança que faço entre mim e vós e entre todos os seres viventes que estão convosco, para perpétuas gerações: 13porei nas nuvens o meu arco; será por sinal da aliança entre mim e a terra. 14Sucederá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, e nelas aparecer o arco, 15então, me lembrarei da minha aliança, firmada entre mim e vós e todos os seres viventes de toda carne; e as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda carne. 16O arco estará nas nuvens; vê-lo-ei e me lembrarei da aliança eterna entre Deus e todos os seres viventes de toda carne que há sobre a terra.

Introdução

Encerro no último mês de maio as meditações sobre a família em nossa comunidade em São Carlos, com o desafio: Felizes para sempre! Será que isso é possível? Com certeza temos diante de nós mais uma utopia sobre a família, a Família feliz, será mesmo que minha família pode ser feliz, é o que estamos refletindo ao longo do mês de maio. Aprendemos ao longo de nossa caminhada que EM Cristo Jesus tal utopia é possível, que vai depender da sujeição dos conjugues um ao outro, do relacionamento de honra, respeito e coração convertidos dos filhos aos pais e dos pais aos filhos, falamos sobre como podemos restaurar a intimidade através da maturidade e buscando amar através da via do outro. Hoje falaremos sobre como nossa família pode ser feliz para sempre, assumindo tal aliança uns com os outros.

Olhando para cima

Todas as vezes que chove e tem sol quando olhamos para o horizonte vemos o arco-íris. O arco-íris é um fenômeno óptico e meteorológico que separa a luz do sol em seu espectro (aproximadamente) contínuo quando o sol brilha sobre as gotas de chuva. É um arco multicolorido que tem o vermelho exterior e o violeta no interior; a sequência completa das cores é vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. O arco-íris mais espetacular aparece quando metade do céu ainda está escura, com nuvens de chuva, e o observador está em um local com céu claro.

O arco-íris remete a um PACTO, um acordo, um concerto, que é mais que uma promessa: é uma ALIANÇA. Deus entrou em relação de aliança com Noé, em lugar de fazer uma simples promessa, a fim de proporcionar-lhe maior segurança, e a fim de declarar que Ele se comprometera irrevogavelmente. O sinal (12) foi ligado a esse pacto.

Talvez Noé já tivesse visto o arco-íris outras vezes, não dá para saber, existem algumas especulações que não cabem nesse momento. Fato é que dali em diante o arco-íris representaria um lembrete e um penhor de tal aliança. Deus é didático. Esta passagem é instrutiva sobre a verdadeira natureza do princípio sacramental. “Sacramento” é um “sinal” exterior, visível, de uma graça interior e espiritual — parafraseando Agostinho.

A fé se apega às promessas anexadas ao sinal, e o sinal fortalece e confirma a crença que Deus cumprirá Sua palavra. Quando não existe fé na promessa não pode haver certeza quanto ao sinal. A palavra e o sinal nunca podem ser separados. Isso significa um olhar intencional. Deus se compromete dessa maneira com Noé e com a humanidade.

Este arco fala das estações, das crises, das tempestades e dos tempos de clausura em uma arca, que podem significar muito: tempo de ouvir o SENHOR e de renovar a confiança nele, com a convicção de quem viu o arco-íris. Aquele que tem aliança com Deus tem certeza que todo dilúvio passa e a vida sempre volta ao equilíbrio.

Quando voltamos os olhos para nossa família, podemos afirmar que um casamento sem aliança é um eterno dilúvio. O arco-íris é o símbolo da aliança que Deus fez com a humanidade. Depois de cada chuva ele aparece no céu, independente de querermos ou não. Ele nos lembra dos ciclos das estações e da vida.

Isto nos leva a reflexão de Eclesiastes 3, quero abrir um parêntese sobre tempos e estações, que podemos aplicar para nossa família de maneira geral, que são:

As estações da vida — tempo de nascer, tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou. Para quem nasceu é impossível não morrer. Aquele que planta tem um tempo de arrancar, seja para colher ou replantar. Todas as vezes que refletimos sobre esse texto somos levados a pensar em vida e morte. Porém, isso não significa que tudo termina em morte. Mas, não, a última estação é a paz, não a morte.

Estações das emoções — tempo de curar, tempo de chorar, tempo de rir, tempo de prantear e tempo de bailar.

Estação das iniciativas — tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las, tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar, tempo de falar e tempo de se calar.

Estação dos relacionamentos: tempo de amar e tempo de aborrecer, tempo de guerra e tempo de paz.

O ciclo começa com o nascimento e se dirige para a paz. Ele começa com o tempo de nascer, porém a morte não é a última estação. A morte é parte do ciclo, mas não é nosso destino. Depois de cada estação vem a paz e não a morte. Fecho meu parêntese.

Quando pensamos na família, no altar nasce uma família para viver em paz. Uma nova etapa do projeto de Deus para os cônjuges — e a intenção deles de fato é viver em paz. Mas, creio que todos aqui sabemos, que entre o nascimento e a paz existem vários tempos e estações.

É preciso se lembrar da aliança, do arco-íris que foi estabelecido no dia do casamento para todas as estações da vida. Algumas delas dão a sensação de que são as últimas que suportaremos, de que não dá mais para seguir junto, que já deu, de tão difíceis que nos parecem. Porém, além das nuvens, há o sol, e uma brecha que aparece nos permite ver belas cores, nascidas do reflexo do astro do dia nas gotas de chuva.

Aliança

Aliança é o acordo formal entre partes iguais ou quando uma delas superior à outra. A principal característica de uma aliança são as condições que podem incluir exigências para ambas as partes ou para apenas uma delas. Para Noé Deus estipulas condições apenas para si mesmo.

Nós presbiterianos, entendemos que a história da Bíblia se move de Adão a Abraão, do Sinai até Cristo. E Deus realiza alianças com a humanidade ao longo desse período. Podemos vislumbrar, a Aliança temporal de Obras feitas com Adão em nome da humanidade, que, tragicamente, ele quebrou, resultando em pecado e morte; e a Aliança da Graça feita em Cristo para a salvação do povo de Deus. Que nós chamamos de Teologia do Pacto.

O plano e as promessas de Deus são progressivamente reveladas e cumpridas por meio de uma pluralidade de alianças. Stephen J. Wellum

Reconhecemos que todos as alianças pós-queda (ou pactos) estão debaixo da graça de Deus. Por isso, o relacionamento Israel-Igreja é visto em termos de continuidade — isto é, os dois por natureza são essencialmente os mesmos, mas administrados de forma diferente. Por esta razão, Israel e a Igreja são constituídos como um povo misto (eleitos e não eleitos — Deus elege seu povo e estabelece suas condições com este povo), e seus respectivos sinais da aliança (circuncisão e batismo) significam a mesma realidade espiritual — daí porque o batismo pode ser aplicado aos bebês na Igreja.

Ou seja, a aliança da Graça de Deus com a humanidade é posteriormente definida com Abraão, reforçada em Moises através da lei e tem sua continuidade através dos profetas atinge um clímax na encarnação de Jesus Cristo, quando Cristo representa todo o povo (Israel e a Igreja), cumprindo todas as exigências da aliança e suportando sobre si a maldição que nós, seu povo, merecíamos por tê-la quebrada — a morte. Somente Cristo pode garantir nossa salvação e somente nele as alianças são cumpridas.

Por isso podemos dizer que nossa caminhada não termina a morte e sim na paz, porque em Jesus Cristo temos paz com Deus e a certeza de que desfrutaremos plenamente desta paz quando Ele voltar para buscar seu povo.

Tim Keller em seu livro O significado do casamento afirma que a aliança no casamento cria um tipo específico de vínculo relacional íntimo e pessoal maior do que qualquer relação meramente legal e comercial, muito mais durável, comprometida e incondicional do que uma relação baseada meramente em sentimentos e afeição. A relação de aliança marital é uma combinação extraordinária de lei e amor.

Ele afirma ainda, que a relação de aliança não é íntima apesar de ser legal. É uma relação mais íntima porque é legal. A disposição de entrar numa aliança de compromisso não reprime, de maneira alguma, o amor. Uma promessa matrimonial de que seu amor está à altura do casamento é, em si mesma, um ato radical de abnegação. Votos de casamento não são uma declaração de amor presente, mas uma promessa de amor futuro que envolve compromisso mútuo.

A aliança nos mantêm no relacionamento quando os sentimentos esmorecem, o que certamente acontecerá. A aliança nos trazem paz diante da vida.

Paz em cada estação

Como podemos experimentar de tal paz em cada estação da nossa vida? Porque contamos trina de Deus em cada uma delas. Tudo que nosso bom Deus faz é formoso e apropriado no seu tempo. Tudo é belo no tempo de Deus. O que fazemos sem ele não tem beleza e gera medo.

Também é importante perceber e tratar do medo, pois ele é contrário a paz. Não podemos dentro de nossa família termos medo um dos outros. Medo de sermos verdadeiros, de chorar na hora de chorar, de sorrir na hora de sorrir, de falar na hora de falar, de se calar na hora de se calar. Viver sem a convicção de que o sol existe. Precisamos viver com a certeza de que o arco-íris depende apenas da posição em que se encontra em relação ao sol e de onde o observamos. Se olharmos da perspectiva da paz, veremos o arco, vemos a aliança.

Outro ensinamento de Eclesiastes sobre o arco-íris é que é melhor ter companhia do estar sozinho: dormir junto, trabalhar junto, lutar junto: “um cordão de três dobrar não se rompe com facilidade” Ec 4.12b.

O tempo e as estações da vida desgastam o cordão, mas ele não se rompe com facilidade. Sempre haverá intenções contra os casais, contra o cordão que estão estabelecendo. Portanto, os cônjuges devem cuidar dele, fazer com que cada etapa seja formosa. Não é possível viver nas nuvens o tempo todo, mas é importante lembrar que acima das nuvens está o sol.

As dificuldades, os problemas, as estações somam apenas 10% do que acontece em um casamento, para o bem ou para o mal, como crise ou oportunidade. Os outros 90% dizem respeito a como o casal se relaciona entre si e com Deus. O maior risco de um casamento é acharmos que, por termos alguém com quem dormir, com quem trabalhar e ganhar dinheiro, somos invencíveis. As duas dobras, que simbolizam o homem e a mulher que se amam, tem pouca resistência, não permanecem sem a terceira.

É a atitude de viver cada etapa no tempo do SENHOR traz paz à família. Para que isso aconteça não podemos nos esquecer da aliança que fizemos um dia diante de Deus e de testemunhas. A aliança que fizeram deve ser mantida. É o exemplo do arco-íris que Deus nos dá — há uma aliança no coração de Deus entre ele e os seres humanos. É preciso que os cônjuges cumpram a parte que lhes cabe para que haja equilíbrio na história deles.

Conclusão

Lembre-se que é a própria caminhada familiar que oferece os ingredientes essenciais para transformação e bem viver (felicidade). O tempo passa, os cônjuges mudam, talvez você ache que seu marido ou sua esposa não seja mais a pessoa que você se casou, de fato, ele/ela não é. Mas a aliança realizada no primeiro dia da caminhada de vocês deve os levar a insistir no relacionamento, pedir a Deus sabedoria para saber qual estação vocês estão passando é muito importante para não se machucarem mais.

Reflita sobre as promessas firmadas, a aliança que selaram no primeiro dia de sua família, o desafio é amar esta pessoa ao seu lado de uma forma que ela se sinta amada. Talvez sejam os filhos pequenos ou os filhos que cresceram e já não o obedecem sem questionar, se tornaram rebeldes, que Deus converta seus corações um aos outros e vocês possam passar por essa estação até chegar a paz. Que dentro de nossas famílias possamos firmar uma relação de intimidade, construída por: respeito, confiança e admiração.

Lembre-se que o que tornam as famílias fortes são: 1) comprometimento mútuo com a família, 2) investimento de tempo juntos, 3) boa comunicação familiar, 4) atitude de gratidão mútua, 5) compromisso espiritual, 6) e capacidade de resolver os problemas em uma crise.

Uma família feliz é uma utopia. Gostaria de deixar uma frase do Pastor Presbiteriano Donald W. McCullough para terminar o mês da família:

A graça nos diz que somos aceitos como estamos. Podemos não ser o tipo de pessoa que desejaríamos, podemos estar muito distantes de nossos objetivos, podemos contar mais fracassos do que realizações, podemos não ser ricos, poderoso ou espirituais, podemos até mesmo não ser felizes nas somos apesar de tudo aceitos por Deus e seguros nas suas mãos. Essa e a promessa feita a nós em Jesus Cristo, uma promessa na qual podemos confiar.

É em Jesus Cristo que podemos buscar uma família forte e feliz. Somente embebidos da graça e na presença do Deus de aliança é eu tal utopia pode ser possível. Fora dela, além do engano do pecado, há um pavor que atormenta. Afastar-se da presença de Deus é trágico para qualquer família. O resultado é dor, sofrimento, divisão, abandono, infidelidade, desencanto, desconfiança, assassinato, divórcio. Em Cristo podemos afirmar como o salmista: ‘na tua presença há plenitude de alegria’ (Sl 16.11). A alegria, como fruto do Espírito Santo, vem acompanhada de amor, paz, bondade, delicadeza, longanimidade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Nenhuma dessas características é natural do ser humano. Isso é graça de Deus, é benção de Deus, é reino de Deus.

Na estação que sua família se encontra hoje, Deus quer te abençoar, por misericórdia, por amor, porque ele nos ama. Sejamos gratos!

“A raiz da alegria é a gratidão. não é a alegria que nos torna agradecidos, é a gratidão que nos faz felizes.” Brennan Manning

Agradeça! Agradeça pela sua família e peça ao Senhor que se Reino seja estabelecido no seu lar, para sempre reine o amor, que é paciente, benigno, não arde em ciúmes, não se ufana, não se conduz inconveniente, que não procura seus próprios interesses, que não se exaspera, que não se alegra com a injustiça e que jamais acaba. E acima de tudo sua casa seja um local onde tenha paz!

Um dia experimentaremos a plena paz e toda a dimensão desse amor no céu, com o Senhor Jesus. Enquanto não acontece caminhamos muitas vezes fazemos o certo de maneira errada, e desejamos acertar. Que Deus nos ajude!

REFERÊNCIAS:

Comentário Histórico-cultural da Bíblia — Antigo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2018.

Dicionário Internacional do Antigo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 1998.

KELLER, Timothy. O significado do casamento.

RÖMER, Thomas C.; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe. Antigo Testamento — História, Escritura e Teologia. São Paulo: Loyola, 2015.

SANTOS, Cleydemir. Minha família pode ser feliz. Ultimato, Viçosa-MG, 2012.

SHEDD, Russell P. O novo comentário da Bíblia. 3. ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000.

Wellum, Stephen J. Dispensacionalismo ou Aliancismo?

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Giselle Melocro Borelli

Cristã reformada aguardando esperançosamente a completude do Reino. Palmeirense 💚 Esposa, mãe e gestora de pessoas. Estou pastora na IPI em São Carlos💚