FILIPENSES

Giselle Melocro Borelli
16 min readOct 14, 2019

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Um tom afetuoso caracteriza este escrito de Paulo. Dentre todas as comunidades, a de Filipos era a que ele mais apreciava: era a primícia de sua missão em território europeu e sobretudo, retribuía ao seu amor com uma sincera e concreta dedicação.

Mas é, também uma carta que apresenta gravíssimos problemas de critica histórica e literária. De fato, discute-se muito sobre onde e quando foi escrita. E, mais ainda, os estudiosos estão divididos quanto à avaliação da sua unidade. Outras questões referem-se à presença de bispos e diáconos na Igreja de Filipos, a chave interpretativa do hino cristológico do cap.2 e a identidade dos “hereges” contra os quais Paulo adverte os caríssimos filipenses no cap.3. Falaremos um pouco sobre tudo isso e as hipóteses levantadas.

Autoria

A integridade investiga se a carta toda, como temos hoje é um bloco único ou uma compilação, editada mais tarde por outra pessoa. O que veremos mais a frente na datação e redação.

A autenticidade procura verificar quanto da carta, quer seja uma unidade, ou uma compilação, é genuinamente de Paulo.

A maior parte dos interpretes, acreditam que a carta é paulina. Ao relacionar dados externos e provas internas fica evidente a redação de Paulo, descartando assim uma autoria dupla com Timóteo, que seria sim um co-remetente, mas não um co-autor, provavelmente Timóteo é citado por ser conhecido dos destinatários e ajudado na evangelização de Filipos e esperava ser enviando em breve para visitar à comunidade macedônia. Os escritos na maior parte da carta, apresentam Paulo falando no singular: “EU” para a comunidade “vos”.

A Cidade de Filipos

Filipos é uma antiga província da Macedônia, fundada por Filipos II, rei da macedônia, pai de Alexandre “O Grande”, cerca de 358–57 a.C., do qual tomou o nome. Proximadamente à época cristã, por ser uma cidade importante de sua região tornou-se colônia romana em 42 a.C. O sincretismo dominava no campo religioso: o culto de divindades romanas e gregas coexistia com os ritos das religiões de mistérios, muito comum na antiguidade. Havia também o culto ao imperador, que se apresentava como uma alternativa à profissão de fé cristã: Jesus Cristo é o Senhor!

Temos um judaísmo pouco desenvolvido / Filipos é basicamente uma sociedade pagã — Isso se explica pelo fato de no ano 49 a.C., o imperador Claudio ter tomado medidas para desencorajar o crescimento do judaísmo e expulsou os judeus de Roma, fato relatado em At 18.2 — quando Priscila e Aquila saem de Roma por este motivo e vão para Corinto. Por ser uma colônia romana, a lei se refletiu na sociedade. Havia uma pequena comunidade judaica que se reunia fora da cidade, às margens de um rio. Portanto, sem sinagoga. Vale ressaltar o claro patriotismo romano, por habitavam numerosos veteranos do exército romano, portanto com muitos cidadãos com privilégios de um Cidadão Romano — (que indicavam direitos e privilégios, como um julgamento público justo para o cidadão acusado de algum crime, a isenção de certas formas infames de punição, e proteção contra uma execução sumária. Quem não fosse cidadão romano não podia exigir legalmente nenhum destes privilégios.) Um cidadão romano não poderia praticar um culto que não houvesse recebido sanção pública do Estado. Contudo, essa restrição era menosprezada se a prática não fosse socialmente inaceitável, não fosse imoral e subversiva (tolerância).

Cidade estratégica por estar localizada na Via Egnatia — principal rodovia daquela época, ligada o Ocidente ao Oriente — importante rota comercial e militar (construída pelos romanos por volta do século II a.C. — cobrindo uma distância total de cerca de 1120 km).

Via Egnatia
Ponte romana em Filipos. Os pavimentos à direita eram da via Egnácia
Trecho próximo a Neápolis — atual Cavala

Paulo aproveita das expressões

Era evidente o Orgulho político de ser cidadão romano — Paulo aproveita da expressão: “viver como um cidadão” ou “participar no governo” Fl 1.27 Usando o termo pátria e fidelidade como referência a vida e a lealdade cristã, fazendo valer a exigência de firmeza na luta, a comunidade deveria tomar posição, como um exército, para o combate e não se deixar tomar pelo pânico.

Não deveriam dobrar os joelhos aos opressores em sinal de rendição, pois lhes é esperado um futuro salvífico.

Por Filipos ser uma rota comercial Paulo também usa termos comerciais para acentuar sua decisão por Cristo (3.7–8), como um homem de negócios ele fala do lucro acumulado, como perda, para o verdadeiro ganho, na compra de um novo produto, muito mais valioso. Destacamos também o uso de termos contábeis — débito e crédito — quando fala da ajuda financeira dos filipenses, demonstrando um relacionamento de investimento mútuo e comunhão entre a comunidade e apóstolo, dar e receber são atitudes recíprocas.

A comunidade CRISTÃ DE FILIPOS

A comunidade de Filipos formou-se pela atividade de Paulo, quando ele foi à Europa na assim chamada segunda viagem missionária no ano de 49 d.C., com a ajuda de Timóteo, Silas e outros (At 16.11–40). Nessa cidade favorecida pela boa colocação para o trafego, haviam poucos judeus. Composta sobretudo por pagão-cristãos, a comunidade se fez fiel a Paulo. Em particular lhe mandou várias ajudas financeiras. Depois, deu tamanha prova de generosidade, levantando uma coleta para a Igreja de Corinto. E quando Paulo foi encarcerado, ela não só se preocupou em socorrê-lo e mandou Epafrodito para que o assistisse em qualquer coisa e aliviasse a dureza da prisão.

Paulo sempre procurava uma Sinagoga para começar o trabalho, mas no caso de Filipos, não havia Sinagoga e sim uma pequena comunidade judaica se reunia perto do rio (At 16.13), onde Paulo pregou as mulheres que ali se reuniam. De acordo com o relato de Atos, a atividade de Paulo começou ali e conquistou para a fé cristã a comerciante de púrpura, Lídia, mulher rica e proeminente e influente na região. Um grupo pequeno ocorre na casa de Lídia.

Por ocasião da prisão de Paulo há a conversão do carcereiro romano e toda sua família, que também passaram a fazer parte desse grupo que se reunia na casa de Lídia.

O livro de Atos (At 16.10), conta que Lucas se declara homem da Macedônia e encorajou Paulo a visitar sua cidade natal. E há a probabilidade de Lucas ser o primeiro presbítero da comunidade, pois o próprio Lucas dá a entender que ficou em Filipos em At 16.40, após Paulo e Silas saírem da cidade.

A prisão de Paulo se dá por Paulo expulsar um demônio adivinhador de uma jovem. Para resguardar seus proventos financeiros os donos da escrava fazem menção ao principio do incompatibilidade do culto autorizado pelo Estado. Havia também um tom anti-semítico na acusação, por causa dos acontecimentos recentes no império romano., já citado. Que explica também Lídia e as mulheres prosélitas se reunirem fora dos limites da cidade, na beira de um rio. O que pode explicar também a animosidade e perseguição pelos pagãos que a igreja cristã começa a sofrer, pois havia uma estreita ligação entre as mulheres judias e a comunidade. Quando Paulo libertou a serva do espírito adivinhador, começaram controvérsias tumultuadas, em virtude das quais Paulo e Silas foram lançados na prisão. Encarcerados e libertados milagrosamente, nesse episódio, há a conversão do carcereiro romano e toda sua família. Na manhã seguinte é libertado, mas Paulo faz uso de sua cidadania romana e exige uma retratação das autoridades. E é convidado a se retirar de Filipos pelas mesmas.

A carta se diferencia de 1–2 Co, Gl, e Rm pois ele não se defini como apóstolo e divide com Timóteo a qualificação de “escravo de Jesus Cristo”, que é um título honroso e não pejorativo, assumido para significar o pertencimento total a Cristo. Não aparece o substantivo Igreja tão comum nas outras cartas e sim “Santos em Cristo Jesus” o que é praticamente sinônimo.

Existe a particularidade de Paulo mencionar bispos e diáconos, uma originalidade autenticamente paulina, que nos deixa entender que a Igreja filipense já tinha uma estrutura interna, bispos/as e diáconos/diaconisas que o teriam auxiliado financeiramente. Não há como distinguir quem são eles ou elas. Não podemos recorrer as cartas pastorais, por se tratarem tardias e posteriores a morte do apóstolo Paulo, mas podemos identificar na comunidade de Filipo uma situação eclesial evoluída das demais comunidades, com divisão de tarefas.

No mundo grego, episkopoi era conhecido e usado para funcionários com tarefas administrativas e de inspeção. Podemos supor que os diáconos exerciam funções de organização e caridade. É uma carta sem a necessidade apologética de defesa de seu apostolado, pois os filipenses lhe eram fiéis. E uma grande quantidade de mulheres, sendo essas até exortadas a se reconciliarem (Evódia e Síntique). A presença de mulheres, membros da congregação de Filipos é atestada na carta (4.2,3), o que não descarta a possibilidade de algumas ocuparem funções de liderança, presbiterato ou diaconato.

Lídia, vendedora de púrpura

“Se a macedônia produziu o grupo de homens mais competentes que o mundo já viu, as mulheres eram, em todos os respeitos, suas contrapartes correspondentes; elas desempenhavam papel importante nos negócios, recebiam enviados, e obtinham concessões para eles, da parte de seus maridos, construíam templos, fundavam cidades, contratavam mercenários, comandavam exércitos, erigiam fortalezas, e funcionavam, às vezes, como regentes ou mesmo na magistratura.” Griffith apud Martin, 2014, p.21–22

Datação e redação

De acordo com a opinião tradicional, também hoje muito difundida, Roma é o lugar da redação da carta aos Filipenses, no entanto essa hipótese se contrapõe ao desejo expresso por Paulo em Rm 15:24–28, que planejava viajar de Roma para a Espanha, enquanto que em Fl ele levanta a possibilidade de visitar a comunidade. Ademais a distância entre Roma e Filipos é tamanha que dificilmente se pode imaginar como teria sido realizado o intercâmbio de notícias entre o apóstolo e a comunidade a que alude 2:25–30. Da mesma forma a grande distância contradiz a conjetura de que Paulo se encontra em Cesarea (defendida por Lohmyer), onde havia praitórion, o antigo palácio de Herodes, conforme narra At 23:35.

“Prisão em Éfeso. Afirmações como as de 2Co 6,5 e 11,23 mostram que Paulo estivera preso mais de uma vez. Escrita logo depois que Paulo deixou Éfeso, 2 Co 1,8–11 relata uma tribulação em que Paulo já estava preparado para receber sentença de morte. Esse relato dá a entender que ele ficou preso em Éfeso durante algum tempo” Koester, 2005, p.144–145.

O intimo contato que Paulo pode manter com a comunidade torna provável que o local de seu encarceramento não distava demais de Filipos. Nesse caso seria possível pensar-se em Éfeso. Embora Atos nada mencione a respeito de uma detenção de Paulo em Éfeso, Paulo esteve várias vezes preso durante a sua atividade. As alusões e grandes sofrimentos que ele teve de suportar durante a permanência em Éfeso, tornam bastante viável a suposição de que ele também teve de passar certo tempo na prisão de Éfeso. Em Éfeso estava sediada uma divisão de pretorianos, e inscrições tumulares atestam nomes de membros do domus caesaris, ou seja alforriados da casa imperial.

“É necessário aceitar a hipótese de que a carta preservada aos filipenses é composta de fragmentos de três cartas menores, porque várias partes dessa carta refletem situações muito diferentes” Koester, 2005, p.145.

Por isso somos a favor da hipótese de três cartas, reunidas numa só por um redator. Apesar de não ficar claro por que a carta polêmica é enxertada na carta da prisão e por que a carta de agradecimento ficou na colocação que está agora. Em resumo podemos dizer que Filipenses se divide assim:

Assim, partindo da suposição das três cartas, podemos definir as datas de composição. Há três blocos literários, que evidenciam uma ruptura do discurso, evidenciando situações diferentes da comunidade filipense e do próprio Paulo.

A carta 2 teria sido escrita provavelmente em Éfeso, pois Paulo se encontra na prisão e agradece à comunidade pelos donativos que ela lhe enviou mais uma vez. Os filipenses haviam tido conhecimento de que o apóstolo estava detido e lhe haviam enviado Epafrodito como o seu emissário (2:25). Quando ele estava junto a Paulo, adoeceu gravemente. Os Filipenses ouviram a esse respeito (2:26). Paulo, soube da sua preocupação por Epafrodito, procurando agora acalmá-los em relação a ele (2:27). Logo, foram trocadas notícias. Menciona que ele era mentido preso como testemunha do evangelho, e não como criminoso. O processo poderia terminar com a condenação à morte. Contudo ele tem esperança de novamente ser libertado e poder, visitar a comunidade. O que deixa claro estar próximo a comunidade e não em Roma como supõe alguns.

A carta 3 não alude a uma situação de prisão, assim possivelmente escrita durante sua permanência em Corinto, quando foi se reconciliar com essa comunidade, a carta aos filipenses foi uma resposta após uma visita a Filipos (2Co 2.13), onde tomou ciência da perigosa presença da propaganda de missionários judeus-cristãos. Assim esta carta seria contemporânea a carta aos Romanos. E o fragmento da carta 1, de agradecimento, que deveria estar começo da correspondência com a comunidade de Filipos mas aparece no final, o trecho evidencia a chegada de Epafrodito com a ajuda enviada pela comunidade, por isso pode ser considerada a primeira a ser escrita.

“No Séc.II o bispo Policarpo de Esmirna fala, no seu escrito dirigido a Filipos, de que Paulo “vos escreveu cartas” (3:2). Isso poderia conter um indício de que Policarpo de fato conhecia diversas cartas dirigidas a Filipos” Lohser, 1974, p.81.

Ao contrário de II Co, o redator não colocou a polêmica contra os hereges no final, mas inseriu-a de tal maneira que no cap.4 fosse realmente a abertura escatológica e por fim destacasse a amizade cordial que unia apóstolo e comunidade.

Contem os discursos:

Gênero autobiográfico — onde Paulo apresenta um relatório da sua própria situação de apóstolo.

Paranético ou Exortativo — forma de discurso moral, exortativo que apresenta o domínio da moral que prescreve deveres e preceitos da vida prática a comunidade.

Conteúdo

“Talvez não tenha havido outra igreja amada com tanta intensidade por Paulo, como a igreja dos filipenses. Por isso, o tom carinhoso e emotivo da carta é um fator impressionante.” Carriker, 2009, p.49

O conteúdo através da teoria das 3 cartas seria distribuído assim:

A CARTA DE AGRADECIMENTO — 4.10–20

A CARTA POLÊMICA — 3,1b — 4.1.8–9

A CARTA DA PRISÃO — 1,1–3,1 + 4,2–7.21–23, composta por: Exórdio 1,1–11/ Situação pessoal do apóstolo 1,12–26/ Exortação à comunidade 1,27–2,18 / Projetos e decisões de Paulo 2,19–30/ Últimas recomendações e saudações 3,1a+ 4,2–7.21–23

Lohse, afirma que Filipenses segue em forma de notícias (do apóstolo para a comunidade) e exortação de união à comunidade, que recebem fundamentos teológicos através da citação de um hino cristológico (2:6–11). Acrescentando duas comunicações acerca de Timóteo e Epafrodito, e o chamamento à alegria, iniciado em 3:1, poderia encerrar a carta.

No entanto começa inesperadamente uma polêmica severa contra hereges, que vai até 4:1. Somente então a carta é finalizada com exortações, novo convite à alegria e grata confirmação dos donativos recebidos dos filipenses, que foi levado por Epafrodito á Paulo (4:2–20), saudações e votos ocupam o fim (4:21–23). Assim destacamos alguns pontos do conteúdo das cartas:

Alegria

A marca principal da carta é a alegria. O termo aparece 16 vezes na epístola. Em nenhum outro lugar encontramos Paulo tão feliz, apesar de estar na prisão aguardando possivelmente, a sentença de morte, dos ataques dos seus rivais no ministério e também de uns vinte anos de trabalho duro em prol do evangelho, que certamente o deixou cansado. Mesmo com tudo isso, Paulo estava feliz, o que nos leva a refletir sobre o seu exemplo. Para Paulo, a alegria não é uma característica de emoção passageira, mas uma atitude avaliatória da perspectiva obtida da vida com Cristo. A alegria é parte do fruto do espirito que habita nos seguidores. Apenas o capítulo 3 não está sincronizado com o tema da alegria, o que evidencia o questionamento já mencionado da unidade da carta.

Decepção e preocupação — cristãos judaizantes

No capítulo 3 encontra-se a polêmica entre hereges, denominados cães, obreiros da falsa circuncisão. Esses termos apontam para pessoas de origem judaica que confiam na carne, provavelmente eram missionários judeus-cristãos, que realizavam uma contramissão a mensagem paulina do evangelho da liberdade dos fieis, mesmo grupo que agia na Igreja de Corinto e comunidades da Galácia. Se eles se orgulham de sua descendência judaica, Paulo também poderia apelar para tais qualidades, mas por causa de Cristo ele considerou tudo como dano. Em 3.17 começa uma segunda vez, dizendo à comunidade que infelizmente há muitos que vivem como inimigos da cruz de Cristo, cujo deus é o ventre (restrições alimentares judaicas), cuja glória é a sua vergonha, e que visam apenas as coisas terrenas, tendo uma concepção triunfalista, orgulhando-se dos privilégios históricos-religiosos — circuncisão.

Dificilmente podemos pensar em um grupo diferente se não o mesmo grupo adversário de Paulo em II Co 10–13, apesar de lá faltar a exigência da circuncisão. Por isso os hereges de Fl deverão provavelmente ser definidos como um grupo judaico-cristão gnóstico, que combina orgulho por pertencer a Israel com a presunção, segura de si, daqueles que professam uma ética liberalista (Koester apud Lohse, 1974, p.80).

É que de acordo com a sua concepção a circuncisão torna-se imune à perda da salvação, da qual pensam estar seguros. Paulo, porém, ressalta que o cristão justificado por causa de Cristo ainda não chegou ao alvo, mas está a caminho. Porque foi arrebatado por Cristo, por isso ele prossegue para a frente, visa o alvo da perfeição futura.

Comunhão

O primeiro termo é “comunhão” — koinonia, que significa: participação em alguma coisa com alguém. Por exemplo, a participação dos cristãos uns com os outros no evangelho, a participação financeira e espiritual na fé pelo esforço evangelístico, e a participação no Espirito Santo e a participação no sofrimento de Cristo, identificando-se com o modelo de Jesus.

O Evangelho

O outro ponto teológico evidente é o Evangelho, denominado o ministério apostólico e a evangelização confiados a Paulo, a Timóteo e a outros, inclusive as mulheres. Quanto a elas, é interessante reparar que dos quatro integrantes da igreja mencionados na carta, dois são mulheres e designados como co-obreiros esforçados (Fl 4.3). Todos os co-obreiros de Paulo eram auxiliares na tarefa do Evangelho.

PONTOS TEOLÓGICOS

A carta de Paulo aos Filipenses não é um tratado de teologia. Pelo contrário, é uma carta pessoal lidando principalmente com questões pessoais que dizem respeito aos cristãos de Filipos para quem Paulo tem o maior carinho. Mesmo assim Paulo está cheio de pensamentos de Deus, Cristo, o Espírito, salvação, ressurreição e do novo mundo por vir, não pode escrever, mesmo a mais breve de letras sem pensar e escrever teologicamente. Destacamos apenas alguns pontos:

1. Podemos destacar a Exortação à unidade teológica — O capítulo 2 contem uma exortação a humildade (atitude pouco apreciada no mundo helenista, por indicar servidão) e a grandeza de Cristo que ressoa a palavra mesma de Cristo e sua história salvadora. Apelando ao amor que sabe encorajar e sustentar os espíritos deprimidos, invocando os vínculos de comunhão em unidade, humildade e altruísmo graças a ação agregadora do Espírito Santo (koinonia). Paulo exorta no capítulo 4 duas irmãs da igreja, provavelmente líderes: Evódia e Síntique. O verbo “exortar” ou “instar” (parakalō) é usado duas vezes e atribuído a cada personagem. Com isto Paulo demonstra o quanto é imparcial nesta questão. Embora o texto bíblico não apresente o motivo pelo qual as duas cristãs estavam em desacordo, alguns autores acreditam que a causa possa ser teológica.

2. Paulo apresenta a comunidade conceitos cristológicos e os familiariza com o tema da paixão, elementos tradicionais para os apóstolos de Jerusalém, mas alheios aos de cultura e sensibilidade helenista. Um convite para a comunidade se comportar como Cristo se comportou, com humildade e obediência. Se não, mais em Christôi lêsou = Em Cristo Jesus — Jesus morto e ressuscitado é a nova esfera de vida na qual os fieis, por graça, foram introduzidos. Paulo traz aos Filipenses os eventos salvíficos que ele mediou e do qual os batizados são beneficiários. Exortando a comunidade a viverem unidas ao Senhor, sendo principio ativo de vida — práxis. O trecho, 2.6–11, é um trecho bem controverso quanto a redação e estrutura, cheio de respostas desencontradas, hipóteses, conjecturas e reconstruções, podendo ser uma construção do cristianismo primitivo e não de Paulo e ter sido inserida pelo redator posteriormente ou pelo próprio apóstolo, uma exegese mais profunda seria interessante, pois o hino canta o Cristo preexistente que se tornou homem e desceu até os segmentos mais humildes da condição humana — Cristo morto e ressuscitado, fundamento da esperança cristã!

3. No capítulo 4, Paulo apresenta o tema-chave de toda epístola. O verbo no imperativo presente, “Regozijai-vos, sempre” (Khairete), e a forma dativa “no Senhor” (en Kyriō) atesta a alegria contínua e independente das circunstâncias. Nesta última acepção, a verdadeira alegria é fruto de nossa permanência em Cristo. A preposição “en” não é apenas dativa — de relação — mas também locativa — de lugar. É tanto um estado quanto um lugar. O termo grego para “contentamento” é resultado tanto da posição e relação do crente com Cristo quanto de nossas orações (proseukhē), súplicas (deēsei) e ações de graças (eukharistias) diante de Deus (v.6). Quando deixamos no altar do Senhor todo o nosso clamor, retira-se de nossos ombros toda carga de inquietação, desesperança e temor, pois Deus supre todas as necessidades dos crentes, através da glória, por Cristo Jesus (v.19). A oração é o antídoto contra a inquietação. Somente assim, “a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus” (v.7). A “paz de Deus” é um dos atributos comunicáveis divinos que garantem a essa imperturbabilidade que há em Deus.

4. Paulo descreve as virtudes teologais da vida cristã. A saber: Verdade — o que se opõe à falsidade; Honesto — tudo o que é honroso; Justo — de acordo com a justiça divina; Puro — tudo o que é santo; Amável — o que procede do amor; Boa Fama — o que é livre de ofensas. Para encerrar a lista das virtudes teologais, Paulo assevera: “se há alguma virtude”. “Virtude” é no original o termo aretē , isto é, “excelência moral” ou apenas “excelência”. Esse são apenas alguns pontos, da teologia prática orientada por Paulo aos irmãos de Filipos.

São Paulo, 27 de outubro, 2016.

Referências

CARRIKER, C. Timóteo. A contribuição missiológica de João Calvino.. Teologia e Sociedade, São Paulo , v.1, n.6, p. 86–95, dez. 2009.

KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: história, cultura e religião do período helenístico. São Paulo: Editora Paulus, 2005.

KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: história e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Editora Paulus, 2005.

LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo — RS: Editora Sinodal, 1974.

MARTIN, Ralph P. Colossenses e Filemon: Introdução e comentário. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 2014.

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Giselle Melocro Borelli

Cristã reformada aguardando esperançosamente a completude do Reino. Palmeirense 💚 Esposa, mãe e gestora de pessoas. Pastora na IPI em São Carlos💚