O CONTEXTO HISTÓRICO DO PROFETA EZEQUIEL
— Agora, vá falar com os seus patrícios que foram levados para fora do seu país e conte a eles o que eu estou dizendo. Fui eu que os mandei para longe, para o meio das outras nações, e os espalhei por outros países. Mas, por um pouco de tempo, nas terras para onde foram, eu mesmo fui para eles um santuário onde podiam me adorar. Ezequiel 11.16 NTLH
1. O PROFETA EZEQUIEL
O termo profeta, nãbî’ no hebraico (נביא) significa porta-voz que deriva do verbo nãba’ que significa “borbulhar”, “ferver e derramar” e conseguinte, “extravasar palavras, como aqueles que falam com mente fervorosa ou sob inspiração divina”. Quando falamos do profeta Ezequiel não há outros registros além dos encontrados no livro bíblico do profeta.
Ezequiel for deportado para Babilônia com cerca de 26 anos em torno de 597 a.C., ele era um sacerdote e via de regra os sacerdotes começavam a servir no templo aos 30 anos. Sendo assim, quando Ezequiel começa seu serviço no templo ele está na Babilônia, após 5 anos de exílio e a cerca de 1100km longe de Jerusalém. Nesse contexto ele é chamado para ser profeta e esse chamado foi reconhecido pelos líderes que viviam entre os exilados.
Ezequiel se estabeleceu com uma colônia de judeus cativos nas proximidades de Tel-Abide no rio Quebar, um canal que desaguava no Eufrates a sudeste da Babilônia.
“Ezequiel” significa “Deus torna forte, fortalece”. No livro de Ezequiel Deus o trata várias vezes por “filho do homem”, dando o sentido de “pessoa, ser humano”. Teologicamente essa expressão mostra a fragilidade e a insignificância humana quando comparadas a transcendência de Deus.
O profeta Ezequiel era de uma personalidade severa, e não muito atraente, cheio de contradições, possuía uma maneira áspera que ocultava suas emoções apaixonadas. Seu ensinamento reflete uma personalidade dúbia, que ora tem a secura sacerdotal e ora tem uma eloquência vibrante e indisciplinada dos profetas. Um autocontrole rígido reprimia desabafos como do profeta Jeremias e a condenação que ele se sentia obrigado a anunciar provocava-lhe exaustão física (Bright, 2004 p.404).
Os que permaneceram em Jerusalém acreditavam que o exílio seria breve, que logo os deportados retornariam à cidade e que Jerusalém seria polpada de mais um desastre. Vários falsos profetas encorajavam essa crença, pois acreditavam que se Deus havia escolhido Jerusalém como sua morada, nada iria acontecer com a cidade, ele a defenderia. No entanto, o profeta Ezequiel previne a todos que um destino mais trágico estaria reservado à Jerusalém.
Segundo Bright (2004, p.405), Ezequiel não era um homem que se pudesse chamar de normal, ele transmitia sua mensagem através de atos simbólicos, em momentos de êxtase ou quase-êxtase. Traçando diagramas de Jerusalém num tijolo, raspando a cabeça e a barba, fazendo buracos na parede de sua casa, saindo com a bagagem nas costas fingindo estar indo para o exílio. O profeta perdeu a esposa durante o cativeiro, pouco antes de Jerusalém ser destruída pelos babilônicos em 586 a.C. Ezequiel reprimiu qualquer sinal de tristeza, indicando a aproximação de um desastre. Entretanto, ele permanecia como uma sentinela, guardando seu povo (3,17–21) e anunciando o juízo justo de Iahweh com a autêntica voz da religião normativa de Israel .
O livro de Ezequiel apresenta o mesmo tema de condenação para Jerusalém que o livro do profeta Jeremias. Os profetas se diferem geograficamente, Jeremias está em Jerusalém e Ezequiel na Babilônia.
Ezequiel se torna único por mostrar de forma ordeira as datas para muitos de seus oráculos, evidenciando que o profeta estava consciente de sua importância para aquele momento da história. Essa cronologia confere com outros documentos, em diversas línguas do antigo Oriente Próximo. Na tabela abaixo podemos ver uma lista dessa cronologia.
Apesar da mensagem de destruição Ezequiel não perde suas esperanças. Fundamentado nas promessas realizadas ao Rei Davi, projeta suas raízes no futuro. Descrevendo em uma visão que teve a própria presença de Iahweh levantando-se do trono, saindo do templo e sobressaindo-se sobre ele, cancelando sua escolha por Sião, não possuindo mais casa (Bright, 2004, p.405).
Ezequiel interpreta plenamente o desastre nacional como o julgamento justo do pecado da nação por Iahweh. Não era somente uma ação de Iahweh, mas, positivamente, era Iahweh vingando-se a si mesmo como Deus soberano (Bright, 2004, p.405–406).
As anotações de Ezequiel compreendem de 593 a.C. até 573 a.C., um ministério de cerca vinte anos. As circunstâncias de sua morte são desconhecidas.
2. O PROFETA EZEQUIEL E O CONTEXTO HISTÓRICO
Ezequiel testemunhou grande parte do declínio e queda do Império Assírio. Os assírios tinham capturado a Samaria, capital do reino de Israel, ao norte, em 740 a.C. A Assíria se localizava na extremidade norte das planícies da Mesopotâmia, perto do Tigre, um dos grandes rios do Crescente Fértil. Nos dias de Salmaneser III, a Assíria se expandiu para o oeste, até a Síria e o norte de Israel, regiões bem irrigadas e férteis.
Sob o Rei Tiglate-Pileser III (Pul), mencionado na Bíblia, a Assíria começou a oprimir Israel. Sua campanha militar também afetou Judá, ao sul. (2Rs 15:19; 16:5–18) Com o tempo, as “águas” da Assíria se espalharam como um dilúvio em Judá, por fim chegando à sua capital, Jerusalém. O rei assírio Senaqueribe invadiu Judá em 732 a.C. (2Rs 18:13, 14). Ele saqueou 46 cidades de Judá, incluindo Laquis, estrategicamente situada na Sefelá. Em seus registros históricos, Senaqueribe se gaba de ter mantido Ezequias “como um pássaro na gaiola”, mas os registros assírios não fazem nenhuma referência à destruição dos soldados de Senaqueribe pelo anjo de Deus (2Rs 18:17–36; 19:35–37).
Donner relata que após a morte de Assurbanípal por volta de 630 a.C. o império chegou ao seu fim de maneira rápida e irresistível, pois o território mesopotâmico original estava vazio e dilacerado por um grande número de agrupamento e partidos em conflito. Ou seja, por dentro estava para ruir bastava apenas um impulso de fora para fazê-lo cair definitivamente (Donner, 1997, p.399).
Os ataques dos medos, que se concentravam no planalto montanhoso onde hoje fica o Irã, desviaram a atenção do que sobrara do exército assírio. As províncias ocidentais da Assíria aproveitaram a oportunidade para se rebelar. Enquanto isso, os babilônios se fortaleciam, chegando a ponto de capturar a cidade de Assur. O colapso da Assíria pode ser datado de 612 a.C. com a queda de Nínive diante de uma aliança de babilônios, medos e citas, povos guerreiros procedente duma região ao norte do mar Negro.
Apesar dos egípcios estarem em caminho para socorrer os assírios contra a ameaça babilônica, o império sucumbiu em Harã. Atacados por uma decidida força babilônia, os assírios aguentaram o quanto puderam, esperando chegar a ajuda do Egito.
Donner relata que a queda de Nínive assustou todo o Oriente Próximo e causou um grande alivio por causa da libertação do julgo assírio. O profeta Naum, cerca de 1000 km de distância celebra a vitória dos medos e babilônicos como sendo uma vitória de Javé (Iahweh) presenteando Judá com a liberdade. “O destruidor avança contra você, Nínive! Guarde a fortaleza! Vigie a estrada! Prepare a resistência! Reúna todas as suas forças! ” Naum 2.1 NVI.
Mas em meio à sua jornada para o norte, o Faraó Neco se confrontou em Megido com o rei judeu Josias — o que o atrasou. (2Rs 23:29) Quando Neco finalmente chegou a Harã, era tarde demais — o Império Assírio tinha caído. Em lugar da Assíria, os exércitos da Babilônia sob o comando de Nabucodonosor começaram a dominar todo o antigo Oriente Próximo.
A Babilônia invadiu Canaã três vezes. Depois que Nabucodonosor venceu os egípcios em Cerqueis em 625 a.C., os babilônios seguiram para o sul, até Hamate, onde novamente venceram os egípcios que batiam em retirada. Acompanhando a costa até o vale da torrente do Egito, destruíram Ascalom no caminho. (2Rs 24:7; Jr 47:5–7). Durante essa campanha militar, Judá ficou sob o domínio de Babilônia (2 Reis 24).
O Rei Jeoaquim, de Judá, se rebelou em 618 a.C. e a Babilônia enviou então exércitos de nações vizinhas contra Judá e as tropas da própria Babilônia cercaram e subjugaram Jerusalém. Pouco depois, o Rei Zedequias se aliou ao Egito, o que trouxe a fúria final dos babilônios contra Judá. Eles invadiram o país novamente e começaram a destruir suas cidades. Por fim, Nabucodonosor voltou seus exércitos contra Jerusalém, conquistando-a em 607 a.C. (2Cr 36:17–21; Jr 39:10).
Ezequiel narra a capturada de Jerusalém pelo Rei Nabucodonosor, que levou consigo o rei Joaquim, a família real e os principais cidadãos e artesões, o profeta Ezequiel fazia parte desse primeiro grupo de deportados.
A figura abaixo ilustra os reis e profetas da história de Israel a partir da monarquia unida, a divisão entre Israel e Judá e a queda de ambos.
3. AS PROFECIAS DE EZEQUIEL E A RELIGIÃO DE ISRAEL
O livro de Ezequiel é um livro totalmente autobiográfico. Escrito em primeira pessoa a partir da perspectiva do próprio profeta. Os cinco primeiros anos do ministério de Ezequiel foram voltados basicamente a Jerusalém. Somente depois da chegada da notícia da destruição de Jerusalém é que Ezequiel passou a enfatizar as promessas de restauração e misericórdia no futuro.
Podemos dividir o livro de Ezequiel basicamente em três partes:
a) Ezequiel anunciando o castigo sobre Jerusalém
Dos capítulos 1 a 24
b) Ezequiel anunciando o castigo das nações estrangeiras
Dos capítulos 25–32
c) Ezequiel anunciando as promessas de restauração e misericórdia para o futuro
Dos capítulos 33–48
Essa estrutura tríplice (julgamento de Israel, julgamento das nações estrangeiras, graça e misericórdia para Israel) também se encontra nos livros dos profetas Isaías e Sofonias.
Ezequiel utiliza muitas ações simbólicas, ele é um profeta que se identifica com a mensagem, sofrendo no próprio corpo as consequências de representar Deus diante da nação e de representar a nação sob o julgamento de Deus. Ele utiliza algumas parábolas e provérbios para ilustrar as profecias que realizava. A profecia de Ezequiel teve muita influência em Apocalipse. Vários temas dos ensinos de Ezequiel reverberam com frequências nos ensinos teológicos, identificados: a santidade e a transcendência de Deus, a graça e misericórdia de Deus, a soberania de Deus e a responsabilidade individual.
Ezequiel profetiza o juízo de Jerusalém cominando com a saída de Iahweh do templo, narrado nos capítulos de 8 a 11. Dando uma nova esperança ao povo com a visão do Templo novo, para onde Iahweh retornaria, nos capítulos de 40 a 47 (Gradl, 2001).
Segundo Bright os profetas que mais contribuíram para a sobrevivência da religião de Israel foram Jeremias e Ezequiel no período histórico já citado. A voz de Jeremias, desde a longínqua Babilônia, juntou-se a voz de seu jovem contemporâneo Ezequiel, que anunciava igualmente a condenação de Judá como o julgamento justo de Iahweh (Bright, 2004, p.404).
O livro de Ezequiel desfaz qualquer falsa esperança de Jerusalém não ser enviada ao exílio. No entanto, distribui palavras de conforto e esperança. Falando do novo êxodo libertador e da nova disciplina de deserto, durante as quais Deus purificaria seu povo. Profetizando restauração sobre os ossos de uma nação extinta, fazendo com que surgisse novamente como um grande e forte exército, dando ao povo um coração novo e um novo espírito para servi-lo, restabelecendo a eterna aliança de paz, reconduzindo a sua terra novamente e colocando seu santuário no meio do povo (Bright, 2004, p.407).
A antiga esperança nacional estava assim mantida, mas projetada no futuro, esperando como recompensa uma nação nova e transformada, totalmente dependente de um novo ato salvador de Deus. Essas eram as esperanças em torno das quais o núcleo de uma nova comunidade de Israel deveria unir-se, esperando, através das trevas, pelo futuro de Deus (Bright, 2004, p.408).
Segundo Fohrer (1982) durante o período exílico desenvolve-se a abordagem legalista da vida e deu-se uma grande mudança em relação aos profetas pré-exílicos. O povo virou as costas para os profetas de mensagem otimista e findou-se a era dos grandes profetas individuais, cujo Ezequiel é o último representante. Os profetas que vieram depois dele são classificados como epígonos.
Ezequiel tendo sido originalmente sacerdote ao ser levado para a Babilônia com o primeiro número de deportados se estabeleceu às margens do Rio Quebar. Há suposições de que Ezequiel tenha exercido o seu ministério total ou primeiramente em Jerusalém ou em dois locais, tanto na Palestina como na Babilônia. No entanto, Fohrer (1982) sustenta que Ezequiel viveu e exerceu o seu ministério profético integralmente na Babilônia e que o profeta foi enviado exclusivamente aos deportados de Judá para demolir sua esperança em qualquer libertação de Jerusalém e aliviar a angústia por sua destruição.
Ezequiel foi o primeiro profeta a servir-se de tradições não israelitas de caráter mitológico, primeiramente com material cananeu-fenício e mesopotâmico. Ezequiel exibe frequentes pontos de contato com Jeremias, de quem pode ser dependente literário; com a teologia deuteronômica em sua análise da história, sua avaliação da lei, sua ênfase sobre o indivíduo, avaliação da monarquia, teologia sacerdotal do Código de Santidade e as ideias e cerimonias cultuais familiares a ele sendo antigo sacerdote (Fohrer, 1982, p.395).
Contrariamente à concepção tradicional de que a divindade e sua terra estavam relacionadas e que a primeira só pode ser adorada na última, ele compreendeu que a presença de Iahweh não está limitada a um único lugar, que o fiel pode experimentá-la onde quer que ele habite (Fohrer 1982, p.395).
Em Ezequiel há uma ruptura fundamental com a tradição do templo. A religião não depende mais do templo, pois Deus já não depende de um local para habitar e lá ser adorado. Deus se dirige ao indivíduo: Aquele que pecar é que morrerá. O filho não levará a culpa do pai, nem o pai levará a culpa do filho. A justiça do justo lhe será creditada, e a impiedade do ímpio lhe será cobrada. Ezequiel 18.20 (NVI). O que importa a partir de então é a conduta do homem quando provado por Iahweh, devendo estar sempre aberto à admoestação, ao arrependimento, mútua comunhão e acima de tudo em íntima comunhão com Iahweh (Fohrer, 1982).
BIBLIOGRAFIA
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HARRIS, R Laird. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998.
DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. Volume 2 — Da época da divisão do reino até Alexandre Magno, São Leopoldo, Sinodal, 6° edição, 1997.
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Internet
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